Universo Insuflável

domingo, 13 de maio de 2012

Olho este malmequer

Fez ontem anos
que as aves acordaram
outra vez a voz dos ramos

que o sol se fez senhor não convidado
que em qualquer parte se cantaram
verdes planos
dum outro dia em que a esperança
fizesse anos.

Foi ontem, lembro exactamente.
Fez anos que a vida correu condignamente
e eu atrás dela a indigente
gesticulando (escrevendo, escrevendo sempre)
fez ontem anos, ou quem sabe um só instante
e toda a vida

sei que ouvi ao perto a cotovia
e as corujas enganadas
que quase me iludiam

(breve dia, eterna hora?)
soa a nunca esse outrora que corria
pela brisa de ser data não desfeita.

E no entanto, sei.
olho este malmequer.
fez ontem anos.

Fez ontem anos de um dia qualquer.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cenotáfio

Há quem passe pela vida
sem nunca ter tido um desgosto
sem nunca ter estado indisposto
sem nunca se opor ao imposto

há quem mate fronteiras
e encurte cidades
e ame todas as caras por vê-las
e queira os corpos que há nelas
e se cumpra e se dê

há quem morra feliz
sem nunca ter feito uma promessa
e nunca sonhar ou haver de cumpri-la
e encontre e goze e perca
sem nunca encontrar ou perder
gozando só, continuamente

e parta sorridente
para o reino do que nada mais
há-de ter para vir.

Por que haveria eu
de demorar nos teus olhos
o tempo vão de não
te consentir um deles?

por que haveria eu?